terça-feira, agosto 05, 2008

salad days II

Madrugada de três de Março de dois mil e oito, pelas cinco horas e quinze minutos.

“Existem sensações/sentimentos que se repetem e que de repente deixámos de sentir.
Hoje acordei e comecei a sentir parte de uma dessas sensações/sentimentos perdidas. Era uma daquelas que me acompanhou nos dias inocentes da infância. Já ouvi descrições que se aproximavam daquilo que sentia e que dizem ser sintoma do nosso corpo em crescimento (?). Nunca consegui traduzir essa sensação/sentimento em pensamentos concretos ou, pior ainda, em palavras. Mas não será por não tentar que a descrição falhará.

Em criança, essa sensação/sentimento, traduzia-se num sentimento de pânico. No entanto, como muitos outros medos que tinha (o dos espelhos, por exemplo, ou mesmo o do escuro), viva-o de uma forma similar ao masoquismo ou seja, vivia-o enfrentando-o e sentindo o que de bom poderia ter dele. Apreciava particularmente a sensação física de me sentir infinitamente pequeno dentro do meu corpo. Paradoxalmente, sentia a infinita imensidão do meu corpo de uma só vez. Não sentia, agora os pés, depois as mãos, mais adiante a cabeça. Sentia-o todo de uma só vez. Quando chegava a esta fase, recolhia-me instantaneamente a um canto perdido do meu cérebro, sendo a sensação de hipervelocidade muito real e, sem paradoxos, a minha pequenez entrava em sintonia com o meu ser.

Esse canto perdido do meu cérebro tinha a forma infinitamente grande de um rectângulo. Neste, eu viajava quase incessantemente entre os cantos do mesmo. Curiosas eram as sensações que ia tendo. Num dos cantos eu podia ser uma partícula infinitamente pequena, áspera e com curvas concêntricas. Só consigo, para a descrever, ter uma imagem aproximada desta partícula quando penso em pedra pomes, embora esta não tenha a densidade correcta.

A melhor imagem que tenho para a descrever, são os desperdícios de metal numa fundição, não sei se é disso que se trata, mas caracteriza-se pela sua forma irregular, como se tivesse liquefeito a borbulhar e se solidifica-se instantaneamente, numa forma preta carbonizada, com as bolhas rebentadas como se de crateras se tratasse e uma densidade imensa o que lhe dá peso e dureza. Creio que já vi formas análogas à que estou a tentar descrever, em imagens microscópicas bidimensionais.

Quando era deslocado para o canto oposto, via-me transformado em matéria suave, antagónica à aspereza anterior, diametralmente oposto ao que pesava, e infinitamente grande, perdendo a noção do rectângulo. Tenho ainda mais dificuldade em descrever este estado, mas, muito grosseiramente, era como se de uma nuvem se tratasse. Compreendo agora que era de diferentes densidades que se tratava, como se comprimisse ou expandisse todo o universo, tornando-o numa massa infinitamente pequena ou infinitamente grande.

Hoje acordei com essa sensação. Foi presente, mas fugidia. Senti-a instantaneamente e involuntariamente uma pequena porção de vezes. Não tive o sentimento de pânico de outrora, apenas a sensação paradoxal de me sentir infinitamente grande e infinitamente pequeno, dentro do meu corpo.

Foi de novo, um vislumbre dos meus salad days.”

1 comentário:

jorge silva disse...

Epá! Até que enfim que te vejo a escrever algo mais longo! Volta-e-meia "passo" por aqui para ver o que tens publicado e tenho notado as tuas longas ausências.Enfim, é a vida e de certeza que tens muitas prioridades antes disto.

Um abraço!