quinta-feira, março 19, 2009

o homem a quem roubaram a memória.

Nada de novo, se alguém não tem memória. Alguém a quem roubaram a memória!... Começa a despertar o interesse por algo que pode ser anormal.

As pessoas gostam de anormalidades e se possuírem alguma perversão pelo meio que desperte a libido, ainda maior é o gosto. Não sei se este homem terá algo de perverso para além do roubo de que foi vítima, no entanto não deixarei de relatar o seu estranho caso.

Acordou quando ainda lhe retiravam os ferros da garganta. Estava semiconsciente e sem capacidade de agir ou mesmo manifestar-se. Apenas conseguia ver, através dos seus olhos semicerrados, os ferros ensanguentados a sair da sua boca. Ele ainda pensou ser a continuação de um qualquer pesadelo que estava a ter, mas acabou por concluir estar a viver uma situação real.

Não sei como se poderá roubar a memória a alguém através da garganta, mas foi o que aconteceu com este homem. Estranho é ser um roubo selectivo. Não lhe roubaram toda a sua memória.

O homem recuperou das chagas interiores feitas na sua garganta e não notou de imediato o que lhe estava a acontecer. Com o tempo, começou a constatar que tinha uma estranha falta de memória. Com muito esforço conseguia ultrapassá-la, mas provocava-lhe algum desconforto saber que, não retinha de imediato as pessoas na sua memória. Tinha a necessidade de estar com elas várias vezes, até as guardar na memória. Isso causava-lhe alguns constrangimentos sociais porque, nas primeiras vezes que cruzava com as pessoas, não as cumprimentava. Ele olhava para as pessoas e ficava com a estranha sensação de as conhecer, mas não tinha a certeza. Pior ainda, não sabia se reconhecia como amigo ou inimigo.

Um dia, o homem descobriu que reconhecia as pessoas pelos olhos. Não sabia dizer de onde as conhecia, nem quando as conheceu, mas sabia que as conhecia, bem como se eram amigos ou não. Para além disso, ele conseguia ver nos olhos dos outros o carácter dos mesmos.

Esta última capacidade, mostrou-se bastante comprometedora e do mesmo modo, uma espécie de maldição. Vejamos! Quem quer dialogar com alguém que o está a tentar enganar?

O homem não conseguia deixar de olhar nos olhos todos os que com ele cruzavam e isso levava a que cada dia que passava ele tivesse menos amigos. Descobriu que muitos dos amigos não o eram e ele começou a desejar não ter aquela maldita capacidade.

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