sábado, março 18, 2006

Pensem

Acredito com cada vez mais convicção, que há reais intenções de pôr as pessoas a não pensar. Não é novidade nenhuma que a melhor forma de dominar um povo é, não o deixar pensar e, subsequentemente, este perde a capacidade de analisar, de concluir e finalmente contestar. É no ensino que os governos exercem a sua forma de adormecer mentalidades e, desta forma, promovem a capacidade de não pensar. Vemos então a carga horária de disciplinas de carácter criativo a ser reduzida, em detrimento de disciplinas com um cunho bastante forte de compreensão (leia-se de entendimento de programas predeterminados) onde a articulação de dados e a memorização são os factores decisivos ou pior ainda, com disciplinas, melhor dizendo, áreas curriculares não disciplinares, assim as classifica o ministério de educação, de carácter ideológico, como por exemplo, educação cívica. É nas disciplinas criativas que o aluno aprende a pensar e a tomar opções autónomas, nunca em disciplinas onde o jogo é predominante, onde existem regras que uma vez seguidas irão ditar resultados análogos ou iguais. Assim, aprendem nestas últimas a obter resultados lógicos e nunca a criar alternativas para obter um resultado paralelo e igualmente possível.
Quando se pede a alguém para pensar, obtém-se inúmeras vezes como resposta a indignação ou o insulto. As pessoas reagem desse modo, porque consideram já o estar a realizar, mas no entanto o que estão a fazer não passa de um simulacro de pensamento. Lembrei-me agora de um acontecimento ocorrido numa aula da disciplina de Estética leccionada, à data, pelo professor Álvaro Lapa, na FBAUP (ainda na altura denominada ESBAP) que ilustra bem ou não, o que acabo de dizer. Depois de ter feito uma interpretação de um texto de Gilles Deleuze, sobre um livro de Nietzsche (A origem da tragédia), o professor dirigiu-se aos alunos e disse: - …mas isto é o que eu penso do que o Deleuze pensa acerca do que pensava Nietzsche. Agora, vocês vão para casa, leiam o livro do Nietzsche, porque vós sois quem sabe.
Talvez mais de metade da turma ficou indignada. A outra metade compreendeu o que o professor estava a pedir. – Pensem!
Consideremos, que uma instituição de ensino superior não é propriamente uma escola de ensino básico, onde os professores comunicam e explicam conceitos. No ensino superior os alunos já devem ser possuidores dos conceitos e os professores devem ser apenas orientadores, dar a conhecer para que os alunos possam construir o seu próprio caminho, despertar os alunos para uma cada vez maior autonomização. Era isto que o professor Álvaro Lapa estava a fazer connosco, a mostrar-nos alguns dos caminhos possíveis, não para optarmos por um deles, mas, mais do que isso, traçarmos o nosso próprio caminho.
É preferível fornecer todos os ingredientes e mais alguns e não dar a receita, possibilitando ao cozinheiro criar a seu belo prazer, do que dar alguns ingredientes nas medidas certas, mais a receita a seguir. Pensem e surpreendam!

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